ENTREVISTA COM EVELY LIBANORI, ESCRITORA E EDUCADORA VEGANA ABOLICIONISTA
segunda-feira, 26.01.2015

ENTREVISTA_EVELY_10203318363747894_1043053686_nEvely Vânia Libanori, é professora do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias da Universidade Estadual de Maringá desde 1997. É mestre e doutora em Teoria da Literatura e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista (Assis-SP). Na Graduação, leciona a disciplina “Literatura brasileira: narrativa” e, na Pós-graduação, a disciplina “Identidade existencial no romance latino-americano”. É lider do GAIA (Grupo de Atividades Interdisciplinares sobre os Animais), grupo de pesquisa cadastrado no CNPq e que estuda libertação animal, ética animal e veganismo. Autora da obra “Nós, Animais”.

Segue abaixo a entrevista que a educadora e escritora concedeu a LIGA ANIMALISTA.

LIGA: Hoje a sra. é conhecida como uma educadora vegana abolicionista (lecionando, palestrando e escrevendo), como foi o processo para chegar a esse posicionamento político?

Evely Libanori: Em 2005 me tornei protovegetariana. Em 2009, vegana. À medida que eu ia conhecendo a realidade de vida e de morte dos animais usados por nossa cultura, eu ia modificando meus hábitos. Primeiramente, mudei minha dieta, deixei de comer carnes. Depois deixei de usar tudo que tivesse origem animal. Eu lia bastante sobre Ética Animal. Por fim, vi a necessidade de passar para os meus alunos esse conhecimento. Então, meu posicionamento político de educadora vegana tem a ver com o conhecimento da vida e morte dos animais usados por nós. E, quando se é educador, não se pode deixar para lá esse conhecimento. Os alunos, esperança de mudança da mentalidade antropocêntrica, precisam conhecer o que fazemos aos animais e precisam pensar em modos de mudança.

LIGA: Como a sra. definiria a educação vegana?

Evely Libanori: A educação vegana é aquela comprometida com os seres vivos e com a vida. Está voltada para o respeito aos animais e aos ecossistemas. A educação vegana pretende promover um modo de viver que não maltrate as outras vidas em volta de nós. É cientificamente comprovado que podemos viver sem carne e, ainda assim, matamos milhares de animais a cada minuto, setenta milhões por ano, apenas para agradar o paladar dos carnistas. Isso é moralmente inaceitável. A educação vegana mostra e questiona o especismo, ou seja, o pensamento de que o ser humano é superior às outras espécies animais, o que dá a ele o direito de usar os animais como bem entender. A educação vegana quer a paz, que não haja derramamento de nenhum sangue, incluindo dos animais não humanos, quer o respeito pelo corpo do outro animal, a liberdade para todas as espécies e o respeito aos ecossistemas.

LIGA: Segundo o professor Leon Denis, existem dois tipos de educação vegana: a não formal, realizada pelos ativistas em qualquer lugar e situação; e a formal, realizada nas escolas e universidades e tendo os direitos animais como componente curricular. No seu livro ‘Educação vegana: tópicos de direitos animais no ensino médio’, ele afirma que por enquanto a formal só é realizada no Brasil, a sra. concorda com essa afirmação e com essa divisão da educação vegana?

Evely Libanori: Sim, concordo. A educação vegana não formal se dá quando ativistas explicam a necessidade de consideração ética para com os animais. É uma atividade educativa porque implica a mudança dos valores, dos hábitos, do pensamento. Em nível formal, a educação vegana acontece nas universidades de vários países onde há os veganos educadores. Em nível médio, não tenho conhecimento de outros países que foquem a educação vegana formal. Aqui, no Brasil, ela se inicia com o trabalho do professor Leon Denis.

LIGA: Uma crítica muito comum aos educadores veganos é direcionada ao uso que eles fazem em sala de aula de vídeos que exibem imagem de animais não humanos sendo torturados e assassinados como: A carne é fraca, Não matarás, e Terráqueos. Como a sra. avalia essa crítica?

Evely Libanori: Sim, quando o educador vegano mostra imagens e vídeos com animais sangrando, as pessoas nos chamam de agressivos. Eu avalio essa crítica como sendo um contraste e uma hipocrisia. Só mostramos o que mostramos para as pessoas saberem como os animais são tratados nos criadouros, nas granjas, nos matadouros, nos laboratórios. Só mostramos a sujeira e o sofrimento escondidos no prato, nos produtos do dia a dia. E então, como podemos ser nós os agressivos, se apenas mostramos o que os outros fazem justamente porque não concordarmos com isso? Mostramos filmes e imagens para as pessoas saberem que não estamos exagerando, que os animais sofrem muito, para além do que se pensa. Quando a pessoa me diz que estou sendo agressiva por mostrar as cenas fortes, eu vejo que ali está um reacionário, uma pessoa que não quer abrir mão de usar o outro animal. Se vejo que se trata de uma mente que se recusa a se expandir, que se protege nos velhos hábitos, então eu não insisto. Uso meu tempo e minha energia com os que são mais empáticos e sensíveis aos animais.

LIGA: A sra. trabalha com identidade animal, ética animal e representação animal na literatura num departamento de Letras, como é a recepção dos alunos e alunas?

Evely Libanori: Dou aulas para o curso de Letras, na graduação. Na pós-graduação, tenho alunos da Filosofia, Jornalismo, História, Psicologia. Trabalho com o tema da identidade humana e animal e então pensamos a proximidade entre seres humanos e animais. Também trabalho com Ética Animal. O espanto ante as ideias de libertação animal acontece com alunos de diferentes cursos. A necessidade de sermos éticos para com os animais é assunto novo na nossa cultura, então o ideal abolicionista não é conhecido pela maior parte das pessoas, mesmo em nível universitário. Por exemplo, na UEM, nenhum outro Departamento estuda Ética Animal com base nas ideias abolicionistas.

LIGA: A sra. poderia falar um pouco sobre o GAIA – grupo de atividades interdisciplinares sobre os animais e as pesquisas que o grupo realiza?

Evely Libanori: O Grupo Gaia foi criado para pensar a relação do ser humano com o animal. Existe há três anos e tem alunos de diversos cursos da graduação e pós-graduação: Letras, Psicologia, Biologia, Direito, Farmácia, Biomedicina. O Grupo promove atividades de pesquisa e de auxílio a animais abandonados. No ano de 2013, trouxemos a filósofa abolicionista Sônia T. Felipe para uma palestra na UEM. No ano de 2014, houve a Mostra de Artes pelos Animais para angariar fundos e criar de animais de rua. E eu publiquei o livro de crônicas abolicionistas, Nós, Animais. O que pesquisamos no grupo: Estudamos os autores veganos abolicionistas, como Sônia T. Felipe, Peter Singer, Gary Francione, Carol Adams. Há alunos da graduação e pós-graduação que estudam o pensamento ético na Literatura. Outros estudam a representação animal na Literatura, sua simbologia, seu ethos e sua relação com os seres humanos. Uma aluna do Direito rastreia, no Constituição Federal, as situações em que a lei é omissa ou negligente para com os animais. A aluna propõe nova redação para a lei nesses momentos, redação que leva em conta as necessidades dos animais. Alunas da Linguística estão pesquisando o efeito das campanhas do site Vista-se entre carnistas e não carnistas. Alunos que dão aula de Literatura pesquisam estratégias de ensino que tornem a educação vegana mais funcional.

LIGA: No ano de 2014, a sra. lançou o livro de crônicas ‘Nós, animais’. Essas crônicas vieram do ativismo dentro e fora da academia? Quais as expectativas quanto a obra?

Evely Libanori: Essas crônicas eu escrevi durante 2010-2013. Eu escrevo como forma de extravasar aquilo que me atinge, que me provoca inquietações. Nas horas vagas, escrevo crônicas sobre os animais e sobre a forma como nos relacionamos com eles. Depois de um tempo, conversando com amigos ativistas, veio a ideia de publicar as crônicas em livro. Minha expectativa quanto ao livro é que as pessoas conheçam as ideias de libertação animal, que se importem com os animais. Que o livro seja uma semente. Há professores que estão trabalhando com as crônicas em ensino fundamental e médio. Eu alerto para que eles cuidem de escolher bem o texto porque nem todos servem para crianças. O que me dizem é que há crônicas que sensibilizam, que provocam lágrimas. E se o livro comove assim, acho ótimo. A professora de Redação do colégio Nobel, em Maringá, trabalhou com os textos e, então, duas alunas se tornaram vegetarianas imediatamente. As alunas pediram a introdução do cardápio vegetariano no restaurante do Colégio e foram atendidas. Então, o livro já está fazendo alguma diferença, o que me deixa contente.

LIGA: O vosso trabalho de extrair uma ética animal de autores como Juan Rulfo e Clarice Lispector é conhecido, mas o que a sra. tem a dizer de romances que se apresentam declaradamente em defesa dos animais não humanos como ‘A Vida dos Animais’ de J. M. Coetzee, e ‘Humana Festa’ de Regina Rheda?

Evely Libanori: Eu quero incorporar ao meu trabalho também os autores que você citou, J. M. Coetzee e Regina Rheda. O que eu gostei em A vida dos animais, do Coetzee foi da posição sincera da escritora protagonista. Ela fala, às claras, e para qualquer um disposto a ouvir, a condição do animal não humano na nossa cultura. O pensamento abolicionista de Coetzee e Rheda é aberto, suas obras refletem a necessidade de mudarmos os nossos padrões morais e éticos em relação aos animais.

LIGA: A sra. acha que os (as) educadores (as) veganos (as) deveriam usar mais a literatura no ativismo animalista?

Evely Libanori: Acho. A Literatura é o mundo paralelo, não o que é, mas o que poderia ser. Toda a história, do começo ao fim, está dada adiante dos olhos. E a Literatura é a arte do não dito, é polissêmica, portanto, há muito que dizer sobre as situações e pensamentos. Uma vez que a Literatura cria personagens à semelhança humana, ela nos oferece o ser humano visto por dentro e por fora. Suas ações e sentimentos. Além disso, a Literatura pode emocionar e, quando uma ideia fala ao coração do leitor, ele não se esquecerá dela.

LIGA: Gostaria de terminar a entrevista pedindo que a sra. indicasse obras e artigos que são de fundamental importância para quem quer se tornar um (a) educador (a) vegano (a).

Evely Libanori:

ADAMS, Carol J. A política sexual da carne: A relação entre o carnivorismo e a dominância masculina. São Paulo: Alaúde, 2012.
ANDRADE, Silvana, (Org.) Visão abolicionista: Ética e Direitos animais. São Paulo: Libra Três, 2010.
DENIS, Leon. Educação vegana: Tópicos de direitos animais no ensino médio. São Paulo: Libra Três, 2012.
DENIS, Leon. Educação & direitos animais. São Paulo: LibraTrês, 2014.
FRANCIONE, Gary. Introdução aos direitos animais. Campinas: Editora da Unicamp, 2014.
FELIPE, Sônia T. Acertos abolicionistas: a vez dos animais. São José: Ecoânima, 2014.
FELIPE, Sônia T. Ética e experimentação animal: Fundamentos abolicionistas. Florianópolis: UFUSC, 2007.
FELIPE, Sônia T. Galactolatria: mau deleite. São José: Ecoânima, 2012.
FELIPE, Sônia T. Por uma questão de princípios: Alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais. Florianópolis: Boiteux, 2003.
GARRARD, Greg. Ecocrítica. Trad. de Vera Ribeiro. Brasília: Universidade de Brasília, 2006.
REGAN, Tom. Jaulas vazias: Encarando o desafio dos direitos animais. Trad. de Regina Rheda. Porto Alegre: Lugano, 2006.
SINGER, Peter. Libertação animal. Trad. de Marly Winckler Porto Alegre: Lugano, 2004.
TRÉZ, Thales (Org.) Instrumento animal: O uso prejudicial de animais no ensino superior. Bauru: Canal 6, 2008.
Livros literários

COETZEE, John Maxwell. A vida dos animais. Trad. de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
LIBANORI, Evely. Nós, animais. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2014.
LISPECTOR, Clarice. De bichos e pessoas. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
RHEDA, Regina. Humana festa. Rio de Janeiro: Record, 2008.
TORGA, Miguel. Bichos. Coimbra: Leia, 2002.
Na internet

http://www.abolitionistapproach.com/
http://www.anda.jor.br/
http://www.cahiers-antispecistes.org/
http://francionetraduzido.blogspot.com.br/
http://www.gatoverde.com.br/
http://www.institutoninarosa.org.br/site/
http://www.maringavegano.com.br/
http://www.olharanimal.org/
http://www.onca.net.br/
http://www.pensataanimal.net/
http://www.ranchodosgnomos.org.br/
http://www.uniaolibertariaanimal.com/site/
http://www.vegetarianismo.com.br/sitio/
Fonte: Liga Animalista